É na religião que se encontra a principal diferença entre Vasco e Flamengo.
As rivalidades entre clubes de futebol tendem a se alicerçar em distinções extracampo.
Partindo desse pressuposto, argumentaremos neste texto que é a religião o fator de diferenciação no caso do clássico Vasco vs. Flamengo.
No futebol, frequentemente utiliza-se a palavra dérbi (do inglês derby) para designar uma partida entre dois clubes tradicionais de uma mesma cidade.
Exemplos conhecidos de tais confrontos são o Dérbi de Lisboa (Benfica vs. Sporting) e o Derby della Capitale (Roma vs. Lazio).
As diferenças entre os dois lados de uma rivalidade futebolística tendem a ser percebidas principalmente no plano social. Em outras palavras: o ''time da elite'' vs. o ''time do povo''.
Exemplos do que acabamos de dizer são River Plate (elite) vs. Boca Juniors (povo), Grêmio (elite) vs. Internacional (povo) e Galatasaray (elite) vs. Fenerbahçe (povo).
Na capital paulista, que têm três clubes considerados grandes, o clássico representativo da distinção de classe é São Paulo (elite) vs. Corinthians (povo).
(Por isso mesmo, brinca-se que o torcedor do Palmeiras não é nem rico o suficiente para ser são-paulino nem pobre o suficiente para ser corintiano.)
No caso da capital fluminense, a situação é mais complexa.
O Rio de Janeiro é talvez a única cidade do mundo com quatro clubes de futebol considerados nacionalmente grandes.
Esses são o Botafogo, o Flamengo, o Fluminense e o Vasco.
O Fluminense sempre se viu associado à elite. O seu próprio mascote, o Cartola, é um símbolo de nobreza.
E quanto ao time do povo?
A resposta óbvia é o Flamengo, cuja torcida é a maior de todas — o que fez com que ganhasse o apelido de ''o mais querido''.
Também merece ser feita uma observação quanto ao seu mascote, o Urubu.
A menção a tal pássaro teria inicialmente partido de torcedores dos outros grandes cariocas, numa alusão aos muitos negros que torciam pelo clube da Gávea.
Acontece que, historicamente, a instituição esportiva carioca mais marcada por sua defesa de causas sociais sempre foi o Vasco.
Como é amplamente sabido, os vascaínos (que têm como mascote o Almirante) desde o início tiveram negros e pobres na equipe.
Além disso, enquanto Botafogo, Flamengo e Fluminense estão localizados na Zona Sul (região nobre do Rio de Janeiro), o Vasco está localizado na menos prestigiada Zona Norte.
Por essa razão, tanto seus dirigentes quanto seus torcedores gostam de afirmar que o Vasco é ''o legítimo clube do povo''.
Como resultado dessa controvérsia, até hoje não há unanimidade quanto ao ''clube do povo'' carioca.
O que não significa que não seja possível encontrar outro ponto de diferenciação entre Vasco e Flamengo.
Em julho passado realizou-se uma pesquisa encomendada pelo jornal O Globo ao Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégia) relativa às maiores torcidas do país.
A partir das respostas dadas foi traçado um perfil dos adeptos dos principais clubes brasileiros de acordo com variáveis como idade, raça e sexo.
Um dos resultados mais reveladores diz respeito às diferenças de religião.
O único clube com um percentual de torcedores evangélicos superior ao seu recorte geral é o Flamengo. A diferença é de 9,1%.
E, embora diferentes clubes tenham relativamente mais católicos na comparação com o seu recorte geral, nenhum supera o Vasco nesse quesito. A diferença aqui é de 26,1%.
Isso torna a rivalidade entre esses dois grandes cariocas semelhante à dos dois grandes de Glasgow (a capital escocesa): o Celtic (católico) e o Rangers (protestante).
Mas, como veremos a seguir, no caso de Vasco e Flamengo a religião também pode servir como fator de união.
Segundo uma pesquisa de 2020 do instituto Datafolha, a fé em religiões afro-brasileiras é professada por aproximadamente 2% dos brasileiros — muitos deles no Rio de Janeiro.
Uma das principais dessas religiões é o candomblé, com seus diversos orixás (entidades criadas pela divindade suprema, Olodumarê).
Cada orixá tem uma ou mais cores. E dois deles, Exu e Pombagira, são associados ao vermelho e o preto. Justamente as cores do Flamengo.
Quanto ao Vasco, é inegável a sua ligação com outra grande religião afro-brasileira, a umbanda, desde os tempos do emblemático Pai Santana (falecido em 2011).
O papel de Santana ia muito além do seu cargo de massagista. Como pai de santo, ele fazia também trabalhos em prol de vitórias da equipe de futebol.
A conclusão que tiramos de tudo o que se viu neste texto é que tanto o clube da Gávea quanto o de São Januário são exemplos típicos do sincretismo religioso brasileiro.
Por isso mesmo, a religião pode até servir como fator de diferenciação entre ambos; mas sempre em espírito de respeito e civilidade.
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